No Hospital Real da Cidade de Évora se começaram a ouvir de noite tais estrondos que, atemorizados os enfermos e enfermeiros, pediam que os mudassem para outro sítio. Luís Gonçalves, natural da mesma Cidade, mancebo de grande ânimo e de bons costumes, fortalecido com os Sacramentos da Penitência e Eucaristia, neste dia [30 de Janeiro] de 1647, foi de noite ao Hospital, onde, posto em oração, pedia a Deus que livrasse aquela casa da Caridade de tão importunas moléstias. Adormeceu, e com o abano forte de uma mão, acordou e viu um vulto, como humano, que lhe disse estas palavras: Não temas Luís. Quatro anos há, que morri neste Hospital, deixando nas mãos do Padre Capelão, dinheiro para me dizer certas Missas, e porque não o tem feito, por justos juízos de Deus, padeço aqui o meu purgatório. Faz diligência para que se me satisfaçam estes sufrágios, e cessarão os estrondos e as minhas penas. Contestada esta informação de Luís Gonçalves, com a confissão do Capelão, que depôs se ter esquecido de dizer as Missas; o Provedor da Misericórdia, Administrador do Hospital, que então era o Arcediago Dom Rodrigo de Melo, não só mandou dizer as Missas determinadas, mas muitas mais, e ultimamente um Ofício de Defuntos. Com isto cessaram totalmente os estrondos do Hospital. Creditou Deus ainda mais a verdade deste caso com outra prova; e foi que, toda a cera que ardeu no tempo do Ofício, e de vinte e cinco Missas, não diminuiu coisa alguma do peso que antes tinha. Tudo se justificou com testemunhos autênticos.
Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.
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