Em numerosos países, e em Portugal sem dúvida, a noção, o espírito, a finalidade dos partidos corromperam-se e as agremiações partidárias converteram-se em clientelas, sucessiva ou conjuntamente, alimentadas pelo Tesouro. Findo o período romântico, ou até antes disso, que se segue às revoluções ditas liberais do começo do século XIX, e em que os debates parlamentares revelavam com erudição e eloquência, preferência pelas grandes teses da filosofia política, a realização partidarista começou a envilecer-se. Duvido se alguma vez representou o que se esperava; desde os meados do século passado até 1926 – em Monarquia e em República – a vida partidária tem seus altos e baixos, mas deixa de corresponder aos interesses políticos e distancia-se cada vez mais do interesse nacional. A fusão ou desagregação de partidos, as combinações políticas são fruto de conflitos e de paixões, compromissos entre facções concorrentes, mas nada têm que ver com o País e os seus problemas.
Aqui e além tenta-se regulamentar, moralizar, constitucionalizar a vida partidária. Tudo embalde. Um partido, vários partidos, dispõem do poder – são governo; mas não se encontra, como poderia supor-se, relação concreta, nem entre os actos de governo e os programas partidários, nem entre os programas e as exigências da Nação. Nós chegámos aos últimos extremos na República Parlamentar, com cinquenta e dois governos em menos de dezasseis anos de regime.
A única conclusão possível é que a fórmula partidária faliu, e de tal modo, que apregoá-la como solução para o problema político português não oferece o mínimo de base experimental que permita admiti-la à discussão. Mas pode ir-se mais longe e invocar para contraprova a experiência de mais de vinte anos de política sem partidos, de política nacional simplesmente.
O espírito de partido corrompe ou desvirtua o poder, deforma a visão dos problemas de governo, sacrifica a ordem natural das soluções, sobrepõe-se ao interesse nacional, dificulta, senão impede completamente, a utilização dos valores nacionais para o bem comum. Este aspecto é para mim dos mais graves.
Vejo na minha frente os mais variados, numerosos e intrincados problemas. O ritmo que a vida nacional atingiu nos últimos anos multiplica-os quase ao infinito; a transformação e a crise do mundo emprestam a muitas questões alto grau de acuidade e delicadeza – todos não somos demais. Como pensaríamos que bastariam alguns, quando a parte sã da Nação, os seus maiores valores intelectuais e morais, já se verificou exuberantemente não estarem dispostos a imiscuir-se na balbúrdia partidária, e a ideia dos «homens do partido» é por si exclusiva dos restantes? Só por esse aspecto, a política de partidos seria contrária à unidade nacional. Mas já vi afirmado, mas já vi escrito, que é exactamente através da liberdade de organização partidária que melhor se garantirá essa unidade. Há pois diversas maneiras de ver as coisas; duvido se há mais do que uma de as ver bem.
António de Oliveira Salazar in discurso «O Meu Depoimento», 7 de Janeiro de 1949.
2 comentários:
Completamente actual!
A verdade não tem prazo de validade.
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