Opulência e Pobreza


Nesta sentença Evangélica fundou o glorioso S. Bernardino uma graciosa parábola. Diz que era um Rei que tinha duas filhas: uma delas de singular formosura, galhardo talhe, mui cortesã e alegre; a outra muito feia e pouco asseada, seu semblante pálido, seu trato retirado. Esta vendo-se tão inferior à outra, ia chorar ao pai, carpindo-se que ninguém a quereria por esposa. Disse-lhe o pai: – Aquieta-te filha, que eu tenho determinado que quem escolher a tua irmã não leve mais dote que a sua formosura e boa conversação; e quem te escolher a ti, levará por dote o meu Reino. Oh que boa doutrina! Este Rei é Deus: as duas irmãs são a opulência e a pobreza: e são filhas do mesmo pai; porque Deus fez o pobre e o rico: Dives et pauper obviaverunt sibi: et utriusque operator est Dominus (Prov. 22. 2). A opulência é formosa aos olhos do mundo, luz muito, traja bem, vive contente, onde quer acha entrada e aplauso. Pelo contrário a pobreza é feia e triste, mete ascos e anda encantoada. Porém quem se casa com a opulência, não leva mais dote que essa mesma glória e luzimento do mundo, que logo passa. E quem recebe a pobreza e vive em paz com ela, promete-lhe Deus o Reino do Céu: Beati pauperes spiritu, quoniam ipsorum est regnum Caelorum (Mat. 5. 3).

Pe. Manuel Bernardes in «Sermões e Práticas», 1711 (póstumo).

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