E agora que este livro está a chegar ao fim, vou sussurrar ao ouvido do leitor uma horrível suspeita que me persegue: a suspeita de que Hudge e Gudge estão secretamente em conluio. De que a disputa que ambos mantêm em público é apenas um embuste, e que não é por acaso que eles passam a vida a oferecer argumentos um ao outro. Gudge, o plutocrata, deseja um industrialismo anárquico; Hudge, o idealista, brinda-o com elogios líricos à anarquia. Gudge quer mão-de-obra feminina porque é mais barata; Hudge chama ao trabalho da mulher "a liberdade de viver a própria vida". Gudge quer trabalhadores firmes e obedientes; Hudge prega a abstinência de álcool – para os trabalhadores, não para Gudge. Gudge quer uma população domesticada e tímida, que nunca pegará em armas contra a tirania; Hudge demonstra, a partir de Tolstoi, que ninguém deve pegar em armas contra quem quer que seja. Gudge é naturalmente um cavalheiro saudável e higiénico; Hudge apregoa fervorosamente a perfeição da higiene de Gudge a pessoas que não podem praticá-la. Acima de tudo, Gudge governa através de um sistema cruel e coercivo de saque, suor e labor que é totalmente incompatível com a família, e que por isso está destinado a destruí-la; enquanto Hudge, abrindo os braços ao universo com um sorriso profético, diz-nos que a família é algo que em breve iremos ultrapassar gloriosamente.
Não sei se a parceria de Hudge e Gudge é consciente ou inconsciente. Só sei que é pela sua actividade conjunta que o homem comum continua privado da sua habitação natural. Só sei que continuo a encontrar Jones vagueando pelas ruas ao crepúsculo cinzento, olhando tristemente para os postes, barreiras e pequenas lanternas vermelhas que guardam a entrada da casa que nunca deixou de ser sua, embora ele nunca tenha vivido nela.
G. K. Chesterton in «What's Wrong with the World», 1910.
2 comentários:
Em português seria algo como o Sr. Balsemão e o Sr. Louçã. É pena não rimarem.
Exactamente. Um bom exemplo deste binómio.
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