Conquista de Quíloa


Pelas traições e insolências com que o Rei Mouro de Quíloa havia tratado aos Portugueses, se acharam estes precisados a lhe darem um rigoroso castigo que a ele servisse de emenda e aos Príncipes vizinhos de terror. A este efeito, desembarcou neste dia [23 de Julho], ano de 1505, com quinhentos homens, Dom Francisco de Almeida e seu filho Dom Lourenço: Aquele com trezentos por uma parte, este por outra com duzentos. Feito um certo sinal, acometeram ambos ao mesmo tempo a Cidade e os Mouros lhe não impediram a primeira entrada, seguros de que dentro nela os destruiriam mais a seu salvo; Não era o pensamento vão: Porque tanto que os nossos chegaram a meter-se pelas ruas, as acharam tão estreitas (a uso dos Mouros) que mal se podiam revolver, e então se viram acometidos pela frente, e de um e outro lado, e juntamente das portas das casas, dos eirados, das janelas. Neste grande aperto não seria muito desmaiar e retroceder o mais destemido coração; Mas sucedeu pelo contrário: Porque bem assim como a peça, tanto mais atacada, tanto despede a bala com maior impulso; Assim os Portugueses, cobertos com as adargas, levavam com impetuosa fúria, a bote de lança, tudo o que se lhe punha diante, e por entre chuveiros de pedras e setas, chegaram ao terreiro do Palácio, onde os esperava outro conflito maior. Saíram a eles trezentos Mouros, que eram a flor da milícia d'el-Rei, em que este havia posto a sua maior confiança. Mas os nossos os rechaçaram com tanto ardor, que sobre larga e dura peleja, os romperam inteiramente. Deu-se logo a Cidade a saco, e havendo o Rei dela fugido para a terra firme, se resolveu Dom Francisco a nomear outro Rei, e fez eleição de um Mouro, por nome Mahamet, por se haver mostrado em várias ocasiões amigo dos Portugueses. Grande glória desta nobilíssima Nação, dar e tirar Ceptros, rendidos ao Império das suas armas.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.

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