Da Grei


Mas cada qual sentia que de desordem em desordem tudo se afundava, e via nitidamente isto: a mulher e os filhos, a velha casa, o trabalho diário, o campo, a horta, o pinhal. Estes já foram dos pais, já foram dos avós e mesmo de outros avós pelos séculos dentro. Uns após outros desbravaram as terras, cultivaram a vinha e o milho, criaram os filhos, sofreram. A vida é áspera, há desgostos, angústias, privações, injustiças que parece ninguém pode reparar. Um ambiente de carinho, porém, envolve o lar e uma luz superior ilumina a existência: a velha igreja e o seu adro foram feitos a expensas de todos os vizinhos, com esmolas e trabalho; o cemitério também. Numa parte e noutra há verdadeiramente o suor do rosto, a preocupação do viver, a tradição do sangue, o património moral.
Do fundo das consciências claramente surgem estes imperativos: o trabalho na vida, a propriedade na terra, a virtude na família, a esperança nas almas.
Para além das várzeas e dos montes há outras várzeas e outros montes, onde vivem e trabalham homens da mesma raça, parentes próximos ou remotos, que falam a mesma língua, têm os mesmos sentimentos. Como quem desbrava o campo para cultivar e levanta as paredes de uma casa para nela viver, há muitos séculos grandes chefes traçaram com a espada os limites e disseram: aqui se vai edificar a casa lusitana. Outros a alargaram depois. A este ideal de construir o lar pátrio, sem ingerência ou mando ou exploração de estranhos, sacrificaram-se fazendas e vidas que todavia se não perderam: entraram no património comum e custa a crer que tudo fosse cegueira, loucura ou inutilidade.

António de Oliveira Salazar in discurso «As Grandes Certezas da Revolução Nacional», 26 de Maio de 1936.

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