Geraldo Sem Pavor reconquista a Cidade de Évora


Pelos anos de 1160 seguia a Côrte do nosso primeiro Rei Dom Afonso Henriques, Geraldo Geraldes, Cavaleiro de ilustre sangue, a quem chamavam Sem Pavor pelo ânimo intrépido com que se arrojava aos maiores perigos. Sucedeu cometer um crime, e não se dando por seguro nas terras d'El Rei, fugiu para o Alentejo, Província que os Mouros então dominavam em grande parte. Não lhe faltaram companheiros, e formado com eles um competente esquadrão, se sustentavam e mantinham à ponta da lança, roubando a Mouros e a Cristãos. Neste exercício passaram alguns anos e cada vez se ia engrossando mais aquele corpo: Porque sempre são muitos os que prezam mais a liberdade da vida, que os escrúpulos da honra. Só o nobre Capitão revolvia no ânimo o nobre pensamento de executar uma empresa tal, que bastasse a lhe esquecer as culpas passadas e ao restituir à graça do seu Príncipe. Depois de larga consideração, deliberou tomar aos Mouros a Cidade de Évora. Deu parte aos companheiros, e estes, ou enfastiados já daquela vida sempre inquieta e arriscada, ou com os olhos nos despojos da Cidade, convieram no que o seu Capitão intentava. Bem via ele que para uma tão grande facção eram mui poucos os seus, mas não há falta a que não possa suprir a indústria e o valor. Chegou-se na noite deste dia [30 de Novembro], ano de 1166, à Cidade, e adiantando-se dos companheiros, teve modo de subir à torre, chamada da Atalaia, onde achou dormindo um Mouro e uma sua filha, que tinham obrigação de vigiar o campo, e fazer sinal, se nele aparecia alguma tropa de gente. Pagaram ambos com a morte o seu descuido, e logo o Sem Pavor fez o costumado sinal, mostrando que no campo havia inimigos e que andavam para uma tal parte. Era o seu intento que saíssem para a mesma os Mouros do presídio, e então cair ele por outra sobre a Cidade, que sem dúvida estaria com a porta aberta e poucos defensores. Correspondeu à traça o sucesso: Entraram os Portugueses na Cidade, cortando facilmente pelos poucos que lhe resistiam; Mas caindo no seu engano, os que andavam fora voltaram prontamente e reduziram os nossos a fatal aperto. Contendiam eles até agora com os Mouros que haviam ficado na Cidade: Agora lhe era preciso contender juntamente com os que sobrevieram; E bem se deixa ver qual seria a sua consternação, combatidos com igual fúria de um e outro lado. Aqui foi onde o Capitão Português obrou acções maiores que todo o encarecimento: Pelejando em uma parte, em todos influía valor: Os soldados obravam maravilhas e pelejavam como Leões, até que os Mouros, cortados do nosso ferro com estrago fatal, se entregaram rendidos, e a Cidade, que anoitecera cativa, amanheceu em sua liberdade. Mandou logo o Capitão avisar do sucesso ao seu Rei, e este, alegre com tão boa nova, e agradecido a uma tão ilustre facção, mandou que Geraldo ficasse por Governador da Cidade, a qual tomou por armas um Cavaleiro armado com uma espada na mão direita e pendentes da esquerda duas cabeças de homem e mulher, aludindo ao primeiro passo daquela façanha, onde Évora teve o primeiro princípio da sua restauração, sucedida neste dia [30 de Novembro] no ano de 1166. De Geraldo Sem Pavor descende a família dos Silveiras, nobilíssima em Portugal.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.

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