No Santíssimo Dia de Páscoa


Eis aqui somos presentes na claríssima festa da Páscoa da Ressurreição do Senhor, a qual com muita razão nos deve alvoroçar e alegrar sobre todas as outras festas do Senhor: porque nela, assim da parte do Senhor como da nossa, concorrem mais razões de alegria e consolação. Porque, ainda que muito nos alegremos no dia de Seu nascimento, todavia aquela não pode deixar de ser misturada com alguma compaixão e dor, considerando as necessidades e pobrezas em que nasceu, o frio que padeceu, e outras misérias humanas a que, nascendo, se submeteu; e, finalmente, considerando a Morte e Paixão para que nasceu, e como do Presépio havia de passar à Cruz. Também, quanto ao que toca a nós, em Seu nascimento ainda não vemos as perfeições de nosso corpo, as quais d'Ele esperamos e grandemente desejamos, porque nasce em carne mortal e passível, semelhante à nossa, suspirando nós, do íntimo do coração, por ter carne imortal e impassível.

Mas nesta esclarecida festa, que hoje celebramos, tudo quanto nela vemos nos consola sem mistura de tristeza ou compaixão, assim pelo que a Ele toca, como a nós. Hoje, com olhos de fé O vemos levantar-se do sepulcro, ressurgindo em carne imortal e impassível, seguro de nunca mais morrer ou padecer, triunfando da morte e do inferno.

E, também, quanto ao que a nós toca, tudo o que n'Ele vemos confirma nossas esperanças, e dilata nossos corações com alegria e prazer: porque n'Ele vemos hoje a glória que hão-de alcançar os filhos de Deus, e o bem-aventurado estado da vida que esperamos no dia da ressurreição geral. Ele Se propõe hoje diante de nossos olhos, e nos mostra Sua carne gloriosa e imortal, e nos diz: – Eis aqui o treslado e a amostra da glória que há-de ter vossa carne, se fordes Meus verdadeiros discípulos. Assim como esta carne, em que hoje ressurgi, é imortal, assim o será a vossa. Assim como é impassível e incapaz de toda a corrupção, pena, e de toda outra miséria que se puder imaginar, assim o fará a vossa. Assim como é subtil e ligeira, não perdendo de ser verdadeira carne e ter verdadeiros ossos, e assim como é clara e resplandecente e extremadamente formosa: assim o fará a vossa, se, de coração, Me servirdes e andardes unidos e pegados Comigo por fé, esperança e caridade.

Ó irmãos, há aqui algum que não deseje que sua carne alcance estas glórias, estes dotes e perfeições? Manifesto é que todos, com entranháveis gemidos dizendo com Paulo: – Nolumus expoliari, sed supervestiri, que quer dizer: Não desejamos de deixar este corpo e que as nossas almas estejam apartadas dos corpos, mas desejamos de vestir corpos reformados, corpos que nunca moiram, que nunca adoeçam, que não possam ter pena nem desgosto nem outro qualquer achaque.

Este desejo experimentava em si mesmo David quando dizia: – Senhor, não somente minha alma há sede de vós, mas também a carne por mil maneiras suspira a vós, desejando e esperando a gloriosa reformação que lhe tendes prometida. Está minha carne neste mundo rodeada de mil misérias e faltas, e, por isso, continuamente geme pelo dia de sua restauração e glorificação.

Mas porque tem Deus ordenado que ninguém alcance, assim a bem-aventurança da alma como da carne, sem trabalhos e merecimentos, por tanto neste dia em que nos é proposta a imagem e amostra de nossa gloriosa ressurreição, nos traz a santa Madre Igreja, na Missa, uma breve receita daquele grande médico e mestre, S. Paulo, que, em poucas palavras, nos diz o que nos convém fazer para chegarmos à glória da ressurreição, dizendo desta maneira:

– Irmãos, se quereis gloriosamente ressurgir no número dos santos, convém-vos que, neste mundo, lanceis de vossa alma todo fermento velho, alimpando-a de toda a malícia, ódio, e rancor, inveja, indignação, e de toda a mais corrupção e podridão espiritual, para que fiqueis como uma massa ázima fresca e limpa. Porque haveis de saber que o nosso Cordeiro Pascoal não é outro senão Jesus Cristo, Nosso Senhor, que por nós foi sacrificado no altar da Cruz: o qual, como seja fonte de toda a limpeza e santidade, não mora senão em almas limpas. E, por isso, convém que pascoemos e festejemos Sua ressurreição, não com pão fermentado, mas com pão ázimo, scilicet, não com coração malicioso e maligno, mas verdadeiro, sincero e limpo.

Também para isto mesmo no Evangelho que ouvistes à Missa, nos é posta diante dos olhos a devoção daquelas três santas mulheres Marias que hoje, antemanhã, partiram de suas casas com unguentos preciosos para que ungissem o Corpo do Senhor, que estava sepultado. Mas, quando chegaram ao sepulcro, acharam que era ressurgido, porque, chegando ao moimento, viram um Anjo em figura de mancebo, vestido de uma roupa branca e resplandecente, o qual estava sentado à mão direita do moimento, e, vendo-o elas, ficaram pasmadas e disse-lhes o Anjo: – Não tenhais pavor; bem sei que buscais Jesus de Nazaré, que foi crucificado. Já ressurgiu, não está aqui. Eis aqui o lugar onde O puseram. Mas ide e levai estas novas a Seus discípulos e a Pedro, que em Galileia O verão, como Ele havia dito.

Por esta sagrada história nos quis o Senhor ensinar que, se queremos chegar a ver e gozar a glória da ressurreição, que esperamos no fim do mundo, convém que, enquanto vivemos, nos apercebamos de unguentos aromáticos e cheirosos, não corporais, senão espirituais, com os quais unjamos o Senhor, coisa que Ele de nós principalmente requere.

Estes unguentos são três, como diz o glorioso S. Bernardo, scilicet, contrição, devoção e misericórdia.

O primeiro unguento com que Deus quer ser ungido espiritualmente do pecador, é verdadeira contrição dos pecados feitos. E ainda que pecados sejam umas ervas e matérias muito fedorentas, todavia, cozidos na panela de nosso coração com o fogo de dor e amor de Deus, fazem um unguento preciosíssimo, que recende até diante dos Anjos. Em cuja figura se diz que o cheiro do unguento, com que a Madalena ungiu o Senhor, encheu toda a casa. O qual bem-aventurado unguento de contrição e arrependimento perpetuamente há-de perseverar na botica de nosso coração, nem o havemos de lançar fora ainda que venha a Páscoa, porque, como os Santos dizem, ainda que o jejum e abstinência de carne tenha tempo taxado, para contrição não há tempo taxado, mas o seu tempo é toda a vida; porque, como diz S. Agostinho, faltando a contrição, falta o perdão. Porquanto do pecado uma vez cometido, sempre convém ter desprazer e pesar quando quer que vem à memória; ao menos nunca é lícito comprazer e aprovar o mal uma vez feito.

Depois dos pecados e chagas da alma curadas com o unguento da contrição, convém com toda a diligência procurarmos fazer suavíssimo unguento da devoção, a qual não é outra coisa senão uma prontidão e fervente inclinação da alma para as coisas divinas. E, como S. Bernardo diz, este unguento é mais excelente e precioso que o primeiro, assim como os materiais, de que se faz, são mais nobres, os quais são todos os benefícios que Deus fez ao género humano. Porque da meditação e consideração deles se gera em nosso peito aquela nobilíssima afeição que chamamos devoção.

E não basta qualquer frio pensamento deles para espertar em nós, mas é necessário que os trilhemos e os esmiucemos com frequente meditação, e assim também os cozamos com o fogo do santo desejo, porque assim se compõem esta divina confeição, que chamamos devoção.

Não se escuse algum, dizendo que não é letreado, e que, por isso, não pode colher as ervas necessárias (que são principalmente os mistérios de Cristo considerados) para fazer estes unguentos. Esta escusa não vale nada, porque para isto, não são necessárias letras, senão humildade, simplicidade, e boa vontade. Quanto uma pessoa é mais humilde e fora de malícia e dobreza, tanto está mais desposta e capaz para alcançar dom de devoção. E, por isso, S. Gregório e a Santa Madre Igreja dizem que o género das mulheres é devoto, porque, regularmente, não sabendo letras, têm o coração desinchado e humilde e, portanto, capaz de Deus lhe comunicar graça de devoção.

De maneira que este divino unguento não é coisa somente de letrados, mas de todos os cristãos, porque todos somos obrigados cuidar nos benefícios e grandezas de nosso Deus e, especialmente, nos mistérios que obrou nascendo em carne por nossa salvação, e, por eles, louvá-Lo e dar-Lhe muitas graças continuamente.

E ainda que todos os cristãos não cheguem a ter igual devoção, igual fervor e prontidão nas coisas do Senhor, baste que cada um trabalhe de fazer este unguento o mais perfeito e fino que puder, não confiando em suas forças e diligência, mas na graça e ajuda do Senhor, pelo qual há-de chamar instante e continuamente, dizendo: – Senhor, dai-me fervor, prontidão e vontade para as coisas de Vosso serviço; dai-me lume para conhecer Vossos mistérios; dai-me dom de douta e quieta oração.

O terceiro unguento é misericórdia e piedade, com a qual, ungida, a alma piedosa e misericordiosa unge e remedeia, quanto em si é, as necessidades de seus próximos, assim espirituais como corporais, sempre de si destilando e lançando as catorze obras de misericórdia, ora as espirituais, ora as corporais.

Com este unguento estava o coração de Job todo tenro e brando, pois que de si deu testemunho, dizendo: – A porta de minha casa sempre esteve aberta aos peregrinos e caminhantes: eu era pai dos pobres, olho dos cegos, e pé dos mancos. Não neguei aos pobres o que me pediam, nem permitia que as viúvas estivessem esperando pelo remédio de suas necessidades, nem comia meu bocado só sem dele partir com o órfão.

Quão excelente seja este unguento, manifestou o Senhor naquelas palavras que disse aos Judeus: – Mais quero misericórdia que sacrifício. E nas outras que disse: – Bem-aventurados os misericordiosos porque eles alcançarão misericórdia.

Portanto, irmãos, se queremos chegar à glória da bem-aventurada ressurreição, que hoje nos é mostrada e prometida, convém com as santas Marias provermo-nos destes celestiais unguentos, por que estes são com os quais o Senhor quer de nós ser ungido.

D. Frei Bartolomeu dos Mártires in «Catecismo ou Doutrina Cristã e Práticas Espirituais», 1962 (póstumo).

7 comentários:

Pedro Campana disse...

Jesus ressuscitou, aleluia aleluia!!!
Que a Europa também ressuscite antes que uma guerra exploda por causa de seus erros. Fora Francisco, fora máfia romana e comparsas judeus.

VERITATIS disse...

Aleluia!

Só na Europa? Os erros são muitos e profundos, e estão espalhados por todo o mundo. A tendência será apenas para piorar, mesmo que às vezes possa parecer melhorar, ou não estivéssemos nós nos últimos tempos.

Pedro Campana disse...

Não, no mundo todo. Mas eu citei a Europa porque ainda tenho esperanças apesar de reconhecer que está cada vez mais difícil. Eu não gosto de fatalismo e concordo com o posicionamento do blog, que também é o cristão, neste aspecto.

Para quem não confia no Cristo só um milagre mesmo para estes rebeldes.

Anónimo disse...

Feliz Páscoa ao dono deste mirífico blog.
Feliz Páscoa a todos! Que apesar das trevas, que o mundo inteiro se rejubile!
Campanhol

VERITATIS disse...

Pedro Campana,

Não há qualquer fatalismo (= erro que nega o livre-arbítrio) em reconhecer os sinais precursores do fim dos tempos. Assim como também é próprio do católico reconhecer a acção de Deus ao longo da História, a chamada Providência Divina. Já não é católica a mentalidade de que o Homem, apenas pelas suas próprias forças e excluindo a acção divina, ser capaz de mudar o curso da História.
Este blogue anda (e procura andar sempre) de acordo com a Tradição e o Pensamento católico.



Campanhol,

Obrigado pelas simpáticas palavras. Feliz Páscoa!

Pedro Campana disse...

É lógico que acreditar no final dos tempos desemboca em fatalismo porque desacredita as pessoas ao redor e a você mesmo da virtude da esperança de dias melhores anulando o livre-arbítrio de fazer ou tentar fazer o bem. Presta atenção em suas palavras para que o blogue continue sendo bom.

VERITATIS disse...

O Pedro Campana é católico? É que está a fazer uma enorme confusão de conceitos que supostamente deveria conhecer bem. Ora, de uma forma simples e esquemática:

Fatalismo – Erro filosófico que consiste na negação do livre-arbítrio.
Livre-arbítrio – Faculdade natural e inata a todo o Homem, que torna cada um de nós autor e responsável das suas próprias acções.
Providência – É a acção pela qual Deus conserva e governa toda a Criação.
Fim dos Tempos – Última Era da Humanidade que culminará na segunda vinda de Cristo e na derrota definitiva do Anti-Cristo, de Satanás e de seus sequazes.
Esperança – Virtude teologal pela qual desejamos e esperamos a vida eterna que Deus nos prometeu e os auxílios necessários para alcançá-la.

Portanto, não há qualquer contradição entre o livre-arbítrio e a Providência divina, nem entre a virtude da Esperança e o reconhecimento dos sinais dos últimos tempos.

Jamais um católico pode ficar triste com o aproximar do fim dos tempos, pois significa que se entristece com a vitória definitiva de Cristo. Um católico nestas condições terá, certamente, as virtudes teologais da Fé e da Esperança muito diminuídas.

Preocupa-me que alguém com uma visão tão deturpada da realidade diga que o blogue é bom. Provavelmente não estou a fazer um bom trabalho. Mas vou estar mais atento.