A virtude da Modéstia


Modéstia, como derivada de Modus, é uma virtude que em todas as acções humanas obra com modo e decoro; e como derivada de Modicus, é uma virtude que se exercita no alcance e logro das honras medíocres e módicas, como a magnanimidade nas grandes. E assim esta virtude é um freio, que reprime e retém ao homem nos limites do seu estado, obrigando-o a não cobiçar mais do que se lhe deve e do que lhe convém. Pintaram a modéstia em figura de mulher, coberta de um véu e a cabeça baixa, com um ceptro na mão e um olho em cima, porque a vigilância e a atenção ao seu decoro a faz reinar em tudo. Na Igreja primitiva a modéstia no falar e no andar era um dos distintivos dos Cristãos. Ao povo Romano o andar imodesto da Vestal Cláudia deu motivo para julgar que não era Virgem. Na Lacedemónia mandou seu Legislador Licurgo que os moços, andando pelas ruas, fossem com os olhos no chão e as mãos debaixo da capa. No livro 15, cap. 10, escreve Aulo Gélio que as moças Milésias, ou da Cidade de Mileto, nos confins da Jónia e Cária, enfastiadas da vida, se matavam: não se emendaram deste desatino, senão com a publicação do decreto que as que se tirassem a vida seriam expostas nuas à vista do povo. O medo de fazerem do seu corpo tão vergonhoso espectáculo foi o único remédio deste bárbaro furor. Dizia Macróbio que este mundo material era Templo de Deus, em que o homem deve fazer com religiosa modéstia as vezes de Sacerdote. Noite, amor e vinho, atropelam toda a modéstia. Mandou a antiguidade queimar as poesias de Arquíloco, porque nelas havia coisas que ofendiam a modéstia. Foram lançados de Roma os Comediantes, porque faziam gestos e acções imodestas. O Senado Romano degradou a Ovídio para a Ilha de Ponto, porque dera à luz o seu livro De Arte Amandi. Pintaram os Egípcios a modéstia em figura de mulher com a cara coberta de um véu, a cabeça baixa e na mão um ceptro rematado de um olho; porque o homem modesto está sempre com o olho aberto, por não cair em alguma indecência. O ceptro denota a soberania desta virtude, própria de Príncipes e almas nobres.

Pe. D. Rafael Bluteau in «Vocabulário Português e Latino», Tomo V, 1716.

2 comentários:

TRAD disse...

Publicação muito esclarecedora. Infelizmente há quem seja modesto no vestir e imodesto no falar e no agir. Cumprimentos.

VERITATIS disse...

Muito obrigado.

Pois, é mais um fruto amargo do modernismo o esvaziamento da virtude da modéstia e a sua redução ao aspecto mais formal, nomeadamente à forma conservadora de vestir. Contudo esta é uma virtude que regula e dirige toda a conduta do Cristão. Não é modesto quem não tem bons modos nas palavras e nas acções.

Cumprimentos e volte sempre.