Notícia de alguns que fingiram ser D. Sebastião


A esta voz que correu geralmente na Europa, se seguiram grandes danos em Portugal, porque se atreveram alguns a fingirem a pessoa de El-Rei, dos quais daremos brevíssima notícia. Um moço, natural da Vila de Alcobaça, se meteu a Ermitão junto da de Albuquerque. Deram os vizinhos em suspeitar que era El-Rei Dom Sebastião, e a suspeita passou a ser certeza na credulidade de muitos; Ajuntaram-se-lhe dois vagamundos, e um dizia que era Cristóvão de Távora, e outro o Bispo da Guarda, o moço nos princípios não consentia na ficção, mas vendo que lhe rendia bem, deixou-se levar da voz que corria, posto que sempre usou de palavras anfibológicas e de termos equívocos, e por esta razão, sendo preso, se não procedeu contra ele a pena capital, e foi lançado a Galés; O que se fingia Bispo foi enforcado, e outros que o seguiam, derramados por várias partes, escaparam à Justiça.
Junto da Vila da Ericeira houve outra revolta maior; Fazia ali vida, com aparências de penitente, outro moço, em uma Ermida; Fechado nela se açoitava (ou as paredes) a certas horas rijamente, e sentindo que o escutavam, acabava a disciplina com uma lamentação mui sentida, dizendo: Ai de ti, Sebastião, que toda a penitência é pouca a respeito das tuas culpas! Divulgou-se a notícia por aqueles contornos, e um lavrador possante, chamado Pedro Afonso, se declarou parcial do novo Rei, e com tanto séquito, que já passava de oitocentos homens armados, e postos em som de guerra; O Pedro Afonso quis ajuntar ao seu nome algum dos apelidos ilustres de Portugal, e achou mais pomposo o de Menezes; logo, dizendo que era ordem de El-Rei, se fez chamar seu General, Conde de Torres Vedras, senhor de Cascais, e Alcaide-mor de Lisboa: Devia de saber o muito, que sobem os validos em pouco tempo; Destinou também para Rainha uma filha sua. O Rei não saia em público, como se o esconder-se fosse meio para ser conhecido; Assim durou algum tempo esta farsa, que logo se foi trocando em tragédia; quiseram alguns Ministros prender ao novo Rei, mas por ordem sua, ou capricho do seu chamado General, foram despenhados; A esta se seguiram outras insolências e insultos, que os solevados cometiam a cada hora: Foi preciso buscá-los com maior poder, e sendo derrotados facilmente por algumas companhias de gente paga e veterana; Foram presos e enforcados, o fingido Rei e o Pedro Afonso (que, enfim, não ficou muito Menezes) e outros, que eram mais culpados: Outros foram lançados a Galés.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.

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