Nos estatutos desta Ordem, capítulo quarto, se ordena que o cavaleiro, a quem se houver de dar o hábito, seja de limpa e nobre geração, sem raça alguma de Mouro ou Judeu, ou outra infecta nação, e no Definitório novo se tornou a definir o mesmo; e é isto tão necessário que quem, com alguma das faltas que ali se apontam, recebesse o hábito, cometeria um grande sacrilégio, e por isso quando lhe fazem profissão, depois de lhe perguntarem se tem alguma coisa de Mourisco ou da nação, e ele responder que não, lhe declaram logo que veja bem o que diz, porque em qualquer tempo que se souber o contrário, o deitarão da Ordem, e lhe tirarão o hábito, com o que bem se dá a entender que não ficará válida a profissão, nem o tal professo poderá comer pão algum da Ordem, pois realmente não é professo.
O que nesta matéria é para estranhar mais que tudo, é que haja homens, os quais não podendo ignorar que há alguma falta destas em sua geração, não deixam contudo de ser pretendentes ao hábito, sendo que lhe não pode servir a pretensão mais que de maior ignominia, porque se não alcançar o fim dela por este impedimento, ficará mais patente aquilo que entre muitos, ou se não sabia, ou era duvidoso. E se o alcançar, ainda tenho isto por pior, porque é embaraçar a consciência com os escrúpulos que temos dito.
Costumam-se fazer as diligências com grande exacção e com muito segredo, sem intervir o pretendente, nem outrem por ele, mais que com os custos que primeiro se depositam; e não permita Deus que nesta matéria haja cavaleiro, ou freire, que não faça com toda a inteireza o que tem obrigação, porque além de cometer um grave pecado de perjúrio e sacrilégio; seria digno de gravíssimo castigo, pois se pode daí seguir um tão grande absurdo, como é desonrar toda uma Religião [= Ordem Religiosa] por amor de um sujeito, que por outros caminhos pode alcançar grandes honras, se as merece.
Pe. António Pereira in «Compêndio e Declaração da Regra e Estatutos da Ordem Militar de Santiago», 1659.
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