Antiguidade – Equivale em Língua Democrática a tolice, inépcia, preocupação e estupidez. Tudo que é antigo, só pela razão de sê-lo, merece o desprezo Filosófico-Democrático, e com razão, pois, ou sou Alcaide, ou trago a Vara debalde. Quer dizer: que, ou eles estão, ou não, empenhados em regenerar o Mundo. E sendo uma verdade que o estão, é coisa corrente que tudo que é antigo deve ir (como dizia um louco que eu conheci) abaixo. Não obstante, como não há regra sem excepção, estão os Revolucionários convencidos, de que do antigo não fique mais que os Ladrões, os Roubos, os Punhais, as Rebeliões, as Devastações, Impiedades, e Blasfémias, as quais coisas todas, apesar de velhas e antigas, eles as veneram tanto, que só a ouvi-las se alienam de gozo e alegria, e não se fartão de celebrar os Silas, Dioclecianos, e Brutos, nem de erigir-lhes Estátuas. E na verdade, que estou maravilhado, como não hajam pensado em levantar Estátuas Democráticas a Heróstrato, que tem para com eles o mérito singular de ter incendiado um dos mais famosos Templos, deixando-lhes com isto um exemplo ilustre para os modernos devastadores dos Santuários.
Pelo que respeita a tudo mais, basta nomear diante dos Revolucionários as palavras antiguidade e antigo, para soltarem uma gargalhada de riso e começarem a franzir a testa e a fazer gestos de desprezo. Sem embargo, o ser uma coisa antiga, ou moderna, não depende senão do tempo: e, ou queira, ou não queira a Democracia, ela, e todas as suas belas feituras algum dia hão-de ser antigas. E se os Séculos passados são o objecto dos sarcasmos, e molejo do nosso, querer-se-me-á dizer que este o não será em os futuros?! Se a Religião, a razão, a experiência, o bom juízo, a gravidade, o valor, e a virtude dos Séculos passados estão fazendo entre nós uma tão ridícula e desprezível figura, só porque tem a nota de antiguidade; que papel lhes parece a VV. Mercês farão nos vindouros as impiedades, os horrores, e os disparates do nosso?! Atrever-se-á alguém a duvidar se quer, que a iniquidade e o estonteamento são as belas qualidades que formam o seu carácter?! Se tocasse somente aos Democráticos fazer na posteridade uma tão brilhante e airosa figura, ainda menos mau; pois havendo eles renunciado ao pudor e bom nome da idade presente e da futura, não anelam outra coisa, que a fama dos Heróstratos, Catilinas, Neros, e Calígulas! Mas que juízo se fará ainda de nós mesmos, quando a posteridade ler que quase toda a Europa emudeceu na presença d'alguns vis sans-culottes, vadios, ímpios, ladrões, e facinorosos?! Que dirá, quando ler, que nós imitámos o exemplo daqueles Povos bárbaros que louvam os demónios e lhes tributam sacrifícios, para os ter propícios e favoráveis, a fim de não lhes fazerem muito mal?! Que dirá, ao ver que com os sacrifícios mais humilhantes temos comprado aos Ladrões as tréguas mais vis?! Que dirá, ao considerar que nossa degradação e abatimento chegou ao ponto de pagar com os mais lisonjeiros encómios as invectivas e insultos, que nos fazia um povoléu infame e atrevido?! Que dirá, ao reflexionar que os Povos compravam a preço de todos os seus bens sua própria escravidão?! Que dirá, finalmente, ao ver-nos tão estúpidos, que julgávamos aplacar um orgulho sem limites com baixezas e sofrimentos?! Dirá, que não arriscámos a resistência, por não perecermos, e que perecemos por estarmos quietos; que quisemos antes perecer por vileza, que por coragem, generosidade, e valor; que não houve sacrifício, que não fizéssemos para obter um ano de existência precária, e que por não perecer neste ano, nos privámos de bom grado de todos os meios, que podiam manter a nossa segurança; que corríamos às carreiras e a quem podia chegar primeiro, para fazer Pactos, Tratados, Convenções, e Pazes com traidores, ladrões e assassinos, que à face do Universo professavam não ter fé, e que seu despotismo foi tal, que não só dispuseram a seu arbítrio dos bens, vidas, e Religião, mas até dos pensamentos, e consciências, considerando todos os homens como uma manada de vis e estúpidos escravos. Estas antiguidades, sim, serão as dignas de riso e de dor.
E sem a invicta coragem e heróica firmeza de Francisco II, sem a generosa assistência, nobre ânimo, e firme, e eficaz resolução de Paulo I, e sem a constante e incansável conduta da Nação Britânica (*), que horrível e asquerosa mancha não ficaria impressa em a nossa memória?! É por eles que a Itália respira e se prepara já a dar mostras de seu valor, de sua religiosidade e de suas máximas; e fazer que se lhe devolvam a consideração, e respeito, que de justiça sempre lhe foram devidos. E poderá tardar o resto da Europa em lavar-se da mancha, que ameaça denegrir, e obscurecer sua ilustre, e bem fundada reputação?!
O mesmo dizemos nós agora. Tardará por ventura a Europa em se declarar contra a Revolução de Julho, e em cortar pela raiz o gérmen da discórdia, que existe ocupando hoje o Trono dos Bourbons?! Poderão demorar-se os Soberanos em lavar a mancha, que caiu sobre a Legitimidade?! Onde estão os Tratados de 1815?! Poderão ficar mudos tantos Oráculos da Santa Aliança?! Se esta Liga de Soberanos não serve para levantar um de seus Irmãos, quando cai vítima de seus inimigos domésticos, então para que servirá?! Pois servirão estes Tratados para restabelecer o Rei de Nápoles contra a Facção, que lhe usurpara o Trono; servirão para mandar um Exército à Espanha para colocar no uso de seus Direitos Fernando VII, e então não servirão estes Tratados para colocar no Trono Carlos X, a quem uma Revolução violenta esbulhou dos seus Direitos?! Não servirão para restituir ao Rei da Holanda aqueles Domínios, que os mesmos Tratados lhe asseguraram?! Ah! talvez os Liberais, esperançados nos seus Protocolos de Londres, se persuadam que o estado actual da Europa há-de durar muito; mas como se enganam! 640 mil homens, que se armaram nas três grandes Potências do Norte, além de suas torças ordinárias, não podem, nem desarmar-se sem pelejarem, nem pelejar sem vencer! A França acha-se em perfeita divisão e completa anarquia! O Ministério de Luís Filipe está colocado entre dois inimigos, qual deles mais poderoso: de um lado tem os Republicanos, que não deixam jamais de conspirar contra todo e qualquer Governo, que não seja o seu; de outro lado tem os Carlistas, que por ora estão quietos, mas que apenas haja quem lhe dê a mão, logo aparecem em campo; e como poderá sustentar-se um Governo desta natureza, quando vir marchar contra si os Russos, Prussos, e Austríacos?! Talvez então peça auxílio à sua recém-amiga a Inglaterra, mas ela com a sua costumada Política talvez lhe diga: «Enquanto estavas forte, e me podias fazer frente, fui tua amiga por necessidade, e por não arriscar contigo uma luta, de que não tinha certeza de sair bem; mas agora que já estás fraca, e quase perdida; agora que a Europa se acha toda conspirada contra ti; agora ajudarei a precipitar-te no abismo que preparaste; cá tenho o teu Rei, a quem hei-de proteger; cá tenho um Duque de Wellington, um Peel, e um Aberdeen para pôr no Ministério, e está tudo feito». Não será necessário viver muito para ver resolvido este grande Problema Europeu; mas fiquem todos sabendo, que não é com os Protocolos, que ele se há-de resolver; já lá vão 55 a respeito da Bélgica, e por ora está a coisa no mesmo estado! A Espada do Vencedor d'Erevan e do Príncipe de Varsóvia é que há-de cortar este nó górdio.
(*) Julgamos da justiça deste Escritor, que se assim como formou sua Obra no ano de 1799, a escrevesse em o de 1813, não passaria em silêncio o heróico Povo Espanhol, nem tão pouco os nobres e valorosos Portugueses.
D. Frei Fortunato de São Boaventura in «Novo Vocabulário Filosófico-Democrático, indispensável para todos os que desejem entender a nova língua revolucionária», Nº 10, 1832.
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