A tolerância e o comércio


A tolerância, dizem os Iluminados, enriqueceu o comércio e faz florescer o Estado. Estão enganados, lhes respondo eu, e estupidamente enganados. O que por meio do comércio enriquece o Estado são as próvidas ordenações, a sagaz perícia, a indústria laboriosa, e a economia prudente, a boa-fé incorrupta, a abundância dos géneros, e das manufacturas: eis aqui o que faz florescer o Estado pelo comércio, e não a tolerância de toda a Religião e irreligião. Viram-se Estados tolerantes sem comércio, e Estados intolerantes de grande comércio e riquezas; baste Portugal para exemplo, e houve Estados em que a tolerância contribuiu para empobrecer os domésticos e enriquecer os estranhos. Se para o comércio mais florescente é precisa alguma tolerância, é a tolerância de outra Religião, e não a tolerância da irreligião, e a gente útil para o comércio não são os Doutores do Epicurismo e do Ateísmo, são homens a quem basta a tranquilidade na crença em que foram educados, porque eles em seus tráficos também se não embaraçam com a crença dos outros. Aqui podia ter lugar a questão sobre o negócio dos Livros, que tão recomendado tem sido pelos Iluminados. Direi a este respeito uma palavra só: os Livros são para a alma o que são os alimentos para o corpo; é justo que haja abundância ou fartura de uns e de outros. Vigia-se com cem olhos para que sejam são os alimentos que sustentam o corpo, parece que também deve haver algum cuidado que não sejam pestilentes os alimentos da alma. Não são os Iluminados os que devem dar Leis a este respeito; isto toca a uma prudente e religiosa política; esta deve ordenar as coisas de tal maneira que o comércio aproveite sem que o Cristianismo padeça; nem se estraguem os bons costumes que são mais proveitosos à República [= coisa pública, Estado] que todos os tráficos.

Pe. José Agostinho de Macedo in «Refutação dos Princípios Metafísicos e Morais dos Pedreiros Livres Iluminados», 1816.

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