Erecção de quatro Bispados


Neste dia [3 de Novembro], ano de 1534, à instância d’el-Rei Dom João III de Portugal, o Papa Paulo III erigiu em Catedrais a Cidade de Goa, de que foi primeiro Bispo Dom Francisco de Mello; a de Angra, de que foi primeiro Bispo Dom Agostinho Ribeiro, Cónego secular da Congregação de São João Evangelista; a de Cabo Verde, de que foi primeiro Bispo Dom Brás Neto; e a de São Tomé em África, de que foi primeiro Bispo Dom Diogo Ortiz de Vilhegas. Todos quatro sufragâneos ao Arcebispo do Funchal, erecto Metropolitano e Primaz do Oriente, pelo mesmo Papa, preeminência que só teve o seu primeiro Arcebispo Dom Martinho de Portugal.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.

Pão por Deus


Na vila de Alpedriz, minha terra natal, é costume, assim como talvez em todo o nosso Reino, saírem os rapazes, pela festa de Todos os Santos, a pedir a oferta (chamada aqui pão por Deus) que os lavradores abastados costumam então fazer-lhes, de merendeiras, tremoços, maçãs, nozes, ou outra qualquer fruta, ou coisa semelhante, própria para contentar a rapaziada miúda. Até aqui não temos nada de singular em Alpedriz; mas em que a temos, e não pouco, é no modo porque os rapazes aqui formulam a sua petição, e na praga que dirigem aos lavradores que lhes recusam este mimo, a que se julgam com direito.

PETIÇÃO

Pão, pão por Deus
À mangaróla;
Encham-me o saco,
E vou-me embora.

PRAGA

O gorgulho, gorgulhóte
Lhe dê no pote,
E lhe não deixe farelo
Nem farelóte.

Teotónio José de Figueiredo Costa in «Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro para o ano de 1861», 1860.

Diálogo de dois portugueses sobre o "Halloween"


Um diálogo imaginado:

– Então, amigo, estás pronto para celebrar o Halloween?
– Deus me livre! Sou católico e recuso-me a participar nessas bruxarias satânicas!
– Ehh! Calma! O Halloween não é assim como dizes.
– Como não?! O Halloween é o Dia das Bruxas!
– Nada disso. Halloween é apenas a véspera de Todos-os-Santos.
– Acho que deves estar a fazer confusão.
– Não há confusão nenhuma. "Halloween" é só uma palavra inglesa para a vigília ou véspera de Todos-os-Santos, da mesma forma que "Christmas" significa Natal e "Easter" significa Páscoa.
– Hum... Não sei se será assim...
– É como te digo, o termo "Halloween" é inglês antigo e vem da contracção de "All Hallows Evening", que se traduz literalmente por "Véspera de Todos-os-Santos".
– Mas isso será apenas uma questão semântica.
– Não é apenas um pormenor de semântica; é a realidade essencial. A origem e a substância da véspera de Todos-os-Santos é católica. A festa é católica. Foi fundada pela Igreja e a Igreja nunca a deixou de celebrar.
– Mas se Halloween é a designação inglesa... então não deve ser católico.
– O dia e a véspera de Todos-os-Santos sempre foram católicos, independentemente do rompimento dos anglicanos com a Igreja de Cristo. O ofício litúrgico de Halloween vem no Breviário Romano para os católicos de língua inglesa. Refiro concretamente uma edição de 1908, insuspeita de qualquer inovação pós-Conciliar.
– De qualquer das formas, isso são coisas de anglófonos. Nós somos portugueses. Não podemos favorecer a importação de modas estrangeiras.
– Os portugueses, como católicos, sempre celebraram a véspera de Todos-os-Santos. É disso que se trata. Mas concordo que não devemos importar costumes estrangeiros, nem designações estrangeiras para uma festa católica que sempre celebrámos.
– Mas o chamado Halloween tem coisas pouco católicas, não achas?
– Suponho que te estejas a referir a certos festejos mundanos de importação norte-americana, a que incorrectamente identificam como "Halloween".
– Sim, é essa festa das bruxas que associam ao Halloween. É horrível.
– Não conheço a razão desses costumes profanos, que são estranhos a Portugal. Mas se hoje a sociedade não é católica, não podes esperar que celebre a festa de forma católica. Esse é um drama universal. O mesmo se passa com o Natal ou a Páscoa. Contudo, o Natal não deixa de ser Natal, porque o mundo moderno celebra um pseudo-Natal em vez do verdadeiro Natal. Halloween é apenas véspera de Todos-os-Santos em língua inglesa, mesmo que hoje lhe dêem uma aparência de outra coisa qualquer.
– Certo, mas com o Natal e a Páscoa a coisa não é tão macabra...
– Quem sabe, porém, se não serão mais enganadores para as almas mais bem-intencionadas. O pior erro é aquele que tem maior aparência de verdade.
– Sim, mas os modernos festejos de Halloween são claramente diabólicos. Vê-se um elogio ao Mal.
– São de facto costumes estranhos a Portugal, como já disse, mas lembra-te que no nosso Entrudo também há figuras diabólicas que assustam pessoas pelas ruas e que depois são simbolicamente queimadas na véspera da Quarta-Feira de Cinzas – a queima do Entrudo – dando-se início à Quaresma. Ou seja, há todo um significado espiritual nessas diabruras que antecedem a purificação quaresmal. É possível que antigamente, nos países de tradição inglesa, essas demostrações na véspera de Todos-os-Santos tivessem um significado religioso transcendente, como tem o nosso tradicional Entrudo. Mas desvinculados do Catolicismo, esses costumes perdem sentido e corrompem-se. A sociedade perdeu a noção religiosa e transcendente, ficando apenas na superfície uma prática meramente humana, agravada pela corrupção moral e intelectual.
– Por isso mesmo não podemos defender esses festejos ditos de "Halloween".
– Nem eu os defendo. Não são da nossa Tradição. E essas modas só entraram em Portugal nos últimos anos por influência mediática e cultural norte-americana.
– Inclusive o dia 31 de Outubro é conhecido por se fazerem muitos sacrilégios e profanações.
– Mais uma razão para não deixarmos que uma festa católica caia nas mãos do Inimigo. Temos obrigação de defendê-la e celebrá-la correctamente.
– Mas como então fazer isso?
– Como sempre os católicos celebraram as vésperas dos dias santos. Com oração, jejum e abstinência, para mortificar os sentidos e celebrar a festa de forma mais piedosa. Depois também há aqueles bons costumes portugueses, como as crianças pedirem o pão-por-Deus pelas ruas, já no dia de Todos-os-Santos.
– Sim, entendo e concordo com o que dizes. Mas agora terei de ir. Obrigado e até uma próxima.
– De nada. Até qualquer dia, quando Deus quiser.

Bizarro sucesso nas portas de Marrocos


Diogo Lopes, Alcaide de Safim, com quatrocentos e trinta e sete de cavalo, chegou neste dia [30 de Outubro], ignoramos o ano, a uns aduares pouco mais de uma légua de Marrocos [Marraquexe], onde matou muitos Mouros, cativou cinquenta e três, arrebanhou dez mil ovelhas, e trezentos e trinta camelos. Posta em seguro esta preza, foram alguns dos nossos Cavaleiros bater com os cotos das lanças nas portas de Marrocos, bradando: Viva El-Rei Dom Manuel Nosso Senhor. Foi tal o susto da Cidade, que o seu Rei em pessoa, com a maior parte da sua gente, saiu aos nossos Cavaleiros, os quais se defenderam de maneira, que matando quatro dos Mouros, mais bizarros, que se adiantaram a acometer os nossos, se recolheram estes aos Aduares, onde os esperavam os mais, e daí a Safim com a referida preza, onde foi muito celebrado este sucesso.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.

Desordem e caos na República


Há 100 anos, tal como hoje, era assim:

Às vezes, mesmo antevendo a catástrofe para que nos encaminhamos com aquela fúria singular de quem tem medo de não chegar a tempo, sorrimos de desdém, ouvindo a gritaria, a choramingaria, os protestos, os discursos, as ameaças, as reclamações, que surgem nos jornais, nas representações, nos parlamentos, nas salas, nas ruas, em toda a parte. Porque tudo isso, gritos, choradeiras, protestos, discursos, ameaças, reclamações, – é poeira vazia, é linguagem de papagaio, e tolice... Gritam, protestam, contra o assassinato e o roubo, contra a injúria e a calúnia, mas fazem muralha, quando alguém, audaz, se ergue contra a origem do assassinato que os aflige, do roubo que os amedronta, da injúria que os vexa e da calúnia que os irrita.
Acabo de percorrer a maior parte dos comentários que se fizeram ao acontecimento trágico de quarta-feira passada, em que um agente da ordem pública e social sucumbiu às mãos de um inimigo da mesma ordem, – acontecimento que se deu no mesmo dia em que pela terceira vez se adiou o julgamento de outro inimigo da ordem social. Palavras, palavras, palavras – e nem um conselho positivo, e nem uma solução positiva! Tocar na arca santa da instituição do júri criminal? Pedir a instituição dos processos sumários militares? Esquecer tudo, tudo e obrigar o Governo a defender a Ordem, e impor a Ordem, com a Constituição ou contra a Constituição, com o Parlamento ou contra o Parlamento, com a Lei ou contra a Lei? Credo! Seria magoar a Democracia. Seria ofender a Democracia.
Diante de uma casa a arder, não se discutem teorias: apaga-se o fogo, a bem ou a mal. A sociedade portuguesa está a arder. Acudam-lhe enquanto é tempo. Arrumem para o lado os incendiários ou os coniventes, encontrem-se eles onde se encontrarem, – no Parlamento, nos jornais, nas Secretarias, nas ruas e nas alfurjas – e salvem isto da derrocada!

Alfredo Pimenta in jornal «A Época», Nº 1749, 1 de Junho de 1924.

Da falsa educação e a corrupção da infância


Das estatísticas criminais em França, se colhe que dentro de 20 anos, o número dos criminosos menores triplicou e subiu de 11.000 a 30.000; em 50 anos, de 1836 a 1889, o número dos suicídios dos mesmos quadruplicou. E os crimes e os suicídios se vão multiplicando mais, ao passo que a desmoralização avança e se vai encarnando na sociedade. Esta desmoralização é devida em sua maior parte à irreligiosa e falsa educação que é subministrada pelas escolas leigas em França. É esta a funesta influência da educação sem Deus.

Fonte: «Voz de S. António: Revista Mensal Ilustrada», 1º Ano, Nº 12, Dezembro de 1895.

Beato Gonçalo de Lagos


O Beato Frei Gonçalo de Lagos, natural da Cidade deste nome, Religioso da Sagrada Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, floresceu (vai por três séculos) em virtudes e milagres, que lhe adquiriram cultos e venerações de Santo, por geral aclamação do povo e consentimento dos Prelados, que era o estilo das Beatificações antigas; A famosa Vila de Torres Vedras o elegeu Padroeiro, e tem com ele singular devoção, pelos prodigiosos efeitos, que cada dia experimenta, recorrendo ao seu patrocínio; Foi seu ditoso trânsito na mesma Vila, neste dia [15 de Outubro], ano de 1422. Jaz no Convento, que nela tem a sua Ordem.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.

O sangue cristão e a "eucaristia" judaica


Com que fim procuram os judeus o sangue cristão? Já que a raça maldita tão de mãos dadas tem estado sempre com a franco-maçonaria, metemo-la também no Reinado das Trevas: e vamos responder com El Eco Franciscano a esta questão, dizendo em poucas palavras o que aquela boa revista diz em uma extensa correspondência; escrita de Jerusalém.
É certo que os judeus assassinam crianças, depois de as terem roubado à vigilância de seus pais, prova-se com os argumentos de muitos e ruidosos processos, onde semelhantes crimes foram comprovados e castigados; havendo, além disso, confissões livres de alguns neo-convertidos. O facto, pois, é inegável. A questão é saber qual o motor de semelhantes crimes. O povo, que naturalmente julga pelo que vê, atribui tudo a um ódio de séculos que a nação maldita nutre contra os cristãos. Que esse ódio existe, é indubitável; mas será essa a causa motriz do crime?
Rocca d'Adria, escritor católico muito célebre, e convertido do judaísmo, onde era tido por um dos primeiros doutores da sua seita, antes de se converter, responde com uma formal negativa. Em umas memórias, a que deu o título de – A Eucaristia e o Rito Pascoal Hebraico moderno: Revelações – demonstra com revelações inéditas e fidedignas, e com autoridades tiradas do Talmude e de outros livros mosaicos, que os judeus extraem o sangue dos cristãos, fazendo com ele e com farinha, uma espécie de mistura, para satisfazer um rito e uma crença supersticiosa que eles têm no Redentor e na sua vinda.
Eis as palavras daquele autor, que bem se pode dizer testemunha autêntica: «Os rabinos hebreus, suspeitando a divindade de Jesus Cristo, e não tendo, apesar disso, coragem para confessar publicamente a sua crença, consignaram em seus livros a vinda do Messias, e impuseram a Israel uma imitação da Comunhão Eucarística, certos (os rabinos), absolutamente certos de que sem ela (a Eucaristia) não é possível conseguir a vida eterna.»
Simplesmente horroroso!
Esta afirmativa tão categórica, tão formal e tão autorizada, vai mesmo sem comentários. Em todo o caso, vejam os pais de família que moram perto de famílias judias, se têm cuidado com seus filhos; não seja caso que o sangue deles vá ajudar a digestão a esses miseráveis.

Fonte: «Voz de S. António: Revista Mensal Ilustrada», 2º Ano, Nº 13, Janeiro de 1896.

Reis de Portugal e Leão celebram Pazes em 1168


Ficou lastimado o valeroso Rei Dom Afonso Henriques, quando se viu em estado tão alheio de sua grandeza, pois sobre tantas vitórias e triunfos passados, descaindo ao presente daquele alto ponto da prosperidade que até então o acompanhara, estava não só preso, mas sua vida posta em grande perigo. El-Rei Dom Fernando não pode negar a compaixão devida a espectáculo tão triste, antes como Príncipe dotado de prudência e humanidade não só usou temperadamente da vitória, mas tratou a El-Rei Dom Afonso com grande cortesia e regalo, e não menor cuidado de sua saúde do que pudera ter o Infante Dom Sancho, filho do próprio Rei Dom Afonso. E porque o quebrantamento da perna d'El Rei pedia remédio com brevidade, o fez aplicar logo; e com a mesma diligência se foi continuando todo o tempo que El-Rei esteve em suas terras, a primeira das quais diz que foi Zamora e depois Ávila, donde cobrada alguma melhoria e firmados os contractos das pazes se tornou para seu Reino.

Frei António Brandão in «Terceira parte da Monarquia Lusitana: Que contém a História de Portugal desde o Conde Dom Henrique, até todo o reinado d'El-Rei Dom Afonso Henriques», 1632.

Ao Serafim de Assis


Como louvarei eu, Serafim Santo,
Tanta humildade, tanta penitência,
Castidade e pobreza e paciência,
Com este meu inculto e rude canto.

Argumento que às musas põe espanto,
Que faz muda a grandíloqua eloquência.
Oh imagem que a divina Providência
De si viva em vós faz para bem tanto!

Fostes de santos uma rara mina;
Almas de mil a mil ao céu mandastes
Do mundo, que perdido reformastes.

E não roubáveis só com a doutrina
As vontades mortais, mas a divina;
Pois os seus Rubis cinco lhe roubastes!

Camões

Descoberta da Cidade de Malaca


Neste dia [28 de Setembro], ano de 1509, descobriu Diogo Lopes de Sequeira a famosíssima Cidade de Malaca, e foi esta a primeira vez que as bandeiras Católicas e Portuguesas foram vistas naquele porto: Os Mouros armaram várias traições, a fim de destruírem os Portugueses, mas de todas escaparam com valor e com fortuna, reservando-se a conquista daquele célebre Empório Oriental para o Grande Afonso de Albuquerque, como em outros dias dizemos.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.

São Marcos João


São Marcos, por sobrenome João, primo de São Bernabé, Discípulo dos dois primeiros e maiores lumes da Igreja, São Pedro e São Paulo, nomeado muitas vezes nas Epístolas do mesmo Santo e no livro dos Actos dos Apóstolos, mártir glorioso de Cristo; Não só ilustrou com a sua pregação o nosso Portugal, onde esteve algum tempo, mas, tempos depois, o enriqueceu com o preciosíssimo tesouro do seu corpo. Jaz na Cidade de Braga em uma Capela antiquíssima da sua invocação, sita no Campo chamado dos Remédios, em um sepulcro de jaspe; Por sua intercessão obra o Senhor muitos milagres.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.

Caso de um assédio republicano ao Padre Cruz


«Uma vez em Alfama...»
E o Padre Cruz não nos deixou acabar a frase.
«É uma nuvem, dolorosamente negra, na paisagem da minha vida! Já lá vão tantos anos. A República chegara, num alvoroço. Vivia-se a hora trágica da indecisão. Nas ruas da cidade, numa esquina, do escuro de um portal, a cilada, o atentado, espreitavam sinistramente.
«Eu vinha dos lados da Sé. Nunca deixei de vir à rua – mesmo quando as bombas rebentavam à porta das igrejas. Meti ali ao coração de Alfama – ia ver um doente, coitadinho. Levava-lhe qualquer coisa... Nisto, oiço uma gritaria. Eu não percebia bem. Era de noite e as luzes estavam apagadas. A algazarra avizinhou-se e, em alta grita, ecoou sonora esta sentença: Mata-se o padre! Mata-se o padre!
«O resto – diz o Padre Cruz, com a voz ainda trémula da emoção – toda a gente sabe... e não tem importância!»
O leitor que se não recorde, deve querer saber. Por isso contamos esse episódio do 14 de Maio [de 1915]. A turba cresceu. Havia furor – o ódio à Igreja era tremendo. Faias gingando, ébrios, abeiraram-se do Padre Cruz. Fizeram-lhe um cerco. Mas nenhum, dominado por aquele olhar de doçura, se resolvia a tocar-lhe. Padre Cruz, no meio deles, sereno, esperava com resignação a hora do seu sacrifício. Neste entretanto, um mais afeito, gritou: «Estamos a adorá-lo!?». A turba animou-se, pareceu despertar de ódio. Passaram, neste momento, uns marinheiros, de espingarda, na busca pelos bairros suspeitos. Viram a aglomeração, chegaram-se mais ao pé, mais ainda, até descobrirem o rosto do Padre. E logo gritaram: «Alto! É o Padre Cruz!»
Então os ébrios, debaixo da cegueira do álcool, tiveram um «Ah!» de espanto.
E mesmo ali pediram perdão – alguns a chorar. Todos o conheciam [da cadeia] do Limoeiro!

Fonte: «Vida Mundial Ilustrada: Semanário Gráfico de Actualidades», Ano II, Nº 56, 11 de Junho de 1942.

Decreto "Lamentabili sane exitu" (4ª Parte)



Nova teoria sobre a Igreja

52. Não estava no pensamento de Cristo constituir a Igreja em sociedade para durante uma longa série de séculos; muito ao contrário, no pensamento de Cristo, o Reino do Céu devia chegar com o fim iminente do mundo.
53. A constituição orgânica da Igreja não é imutável; mas, ao contrário, a sociedade cristã está sujeita, como a sociedade humana, a uma perpétua evolução.
54. Os dogmas, os sacramentos, a hierarquia, tanto na sua concepção como na realidade, não são mais do que interpretações do pensamento cristão e evoluções que aumentaram e aperfeiçoaram por desenvolvimentos externos o pequeno gérmen oculto no Evangelho.
55. Simão Pedro nem sequer suspeitou que lhe tivesse sido conferida a primazia na Igreja por Cristo.
56. A Igreja romana tornou-se a primeira de todas as Igrejas, não por uma disposição divina, mas por circunstâncias puramente políticas.

Evolucionismo absoluto e ilimitado

57. A Igreja mostra-se inimiga dos progressos das ciências naturais e teológicas.
58. A verdade não é mais imutável do que o homem, com o qual e pelo qual muda continuamente.
59. Cristo não ensinou um corpo de doutrina determinado, aplicável a todos os tempos e a todos os homens, mas provocou antes um movimento religioso adaptado ou podendo adaptar-se aos diversos tempos e lugares.
60. A doutrina cristã foi no começo judaica, depois, por evoluções sucessivas, tornou-se paulina, depois joanica, depois helénica e universal.
61. Pode dizer-se sem paradoxo que nenhum livro da Escritura, desde o primeiro do Génesis até ao último do Apocalipse, contém um doutrina absolutamente idêntica à que a Igreja professa sobre os mesmos assuntos, e, por consequência, que nenhuma parte da Escritura tem o mesmo sentido para o crítico e para o teólogo.
62. Os principais artigos do Símbolo dos Apóstolos não tinham, para os cristãos primitivos, a mesma significação que têm para os cristãos actuais.
63. A Igreja mostra-se incapaz de defender a moral evangélica, porque se mantém obstinadamente ligada a doutrinas imutáveis, incompatíveis com os progressos modernos.
64. O progresso das ciências exige a reforma da concepção da doutrina cristã acerca de Deus, da Criação, da Revelação, da Pessoa do Verbo e da Redenção.
65. O catolicismo actual não pode adaptar-se à verdadeira ciência, a não ser que se transforme em cristianismo não dogmático, isto é, em protestantismo largo e liberal.

No dia seguinte, quinta-feira, 4 do mesmo mês e ano, tendo sido feito a Sua Santidade Pio X um relatório geral fiel, Sua Santidade aprovou e confirmou o decreto dos Eminentíssimos Padres e ordenou que todas e cada uma das proposições, acima mencionadas, fossem consideradas por todos como reprovadas e proscritas.

Transladação do Mártir São Vicente


Neste dia [15 de Setembro] se viu a Metrópole da Monarquia Portuguesa ditosamente enriquecida com um tesouro de mais alto preço, que quantos (correndo os tempos) tributou o Indo ao Tejo. Entrou neste dia pela barra de Lisboa, em uma só Nau, uma riquíssima frota, porque trazia aquela só Nau (que Lisboa então tomou por Armas) o sagrado cadáver do invictíssimo e gloriosíssimo Mártir São Vicente, foi achado e conduzido no ano de 1173, a diligências do primeiro Rei de Portugal, e colocado na Capela-mor da Catedral de Lisboa, em majestoso túmulo; A mesma Cidade, com discreta e venturosa eleição, o elegeu e experimentou sempre singular advogado e beneficentíssimo Protector.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.

Funda-se o Convento de Santa Cruz de Lamego


No mesmo dia [14 de Setembro], dedicado à Exaltação da Cruz, no ano de 1596, teve princípio a fundação do Convento de Santa Cruz dos Cónegos Seculares da Congregação de São João Evangelista da Cidade de Lamego. Saiu da Sé o Bispo Dom António Telles, vestido em Pontifical, acompanhado do Cabido, do Clero, e de grande concurso de nobreza e povo; e chegando ao sítio da fundação, no lugar destinado para o Altar-mor da Igreja, onde estava arvorada uma Cruz, benzeu quatro pedras de dois palmos em quadro: a primeira de cor vermelha, à semelhança de rubim, que em nome da Sacratíssima Cruz de Cristo, rubricada com o seu langue, lançou na parte do Evangelho o Doutor Lourenço Mourão, natural da mesma Cidade, Desembargador do Paço, Comissário Geral da Cruzada, e principal dotador da nova fundação: a segunda pedra, que era branca, lançou na parte da Epístola, em nome da puríssima Virgem Maria Nossa Senhora o Padre Miguel do Espírito Santo, Geral dos Cónegos Seculares: a terceira de cor verde, à semelhança de esmeralda, lançou o Deão da Sé na parte direita do arco da mesma Capela, em nome do Evangelista, protector da mesma Congregação, comparado na Escritura àquela pedra preciosa: na parte esquerda lançou o Cónego Secretario da Congregação a quarta pedra de cor azul, á semelhança de safira, cm nome do Patriarca São Lourenço Justiniano. Benzeu o Bispo todo o sítio demarcado para o novo Templo, e tudo se fez com grande aplauso, e alegria da Cidade.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.