A chegada dos primeiros escravos a Portugal


No outro dia, que eram oito dias do mês de Agosto, muito cedo pela manhã, por razão da calma, começaram os mareantes de correger seus batéis e tirar aqueles cativos para os levarem, segundo lhes fora mandado; os quais, postos juntamente naquele campo, era uma maravilhosa coisa de ver, cá entre eles havia alguns de razoada brancura, formosos e apostos; outros, menos brancos, que queriam semelhar pardos; outros tão negros como etíopes, tão desafeiçoados assim nas caras como nos corpos, que quase parecia aos homens que os guardavam, que viam as imagens do hemisfério mais baixo.
(...)
O Infante era ali em cima de um poderoso cavalo, acompanhado de suas gentes, repartindo suas mercês como homem que de sua parte queria fazer pequeno tesouro, cá de quarenta e seis almas que aconteceram no seu quinto, mui breve fez delas sua partilha, cá toda a sua principal riqueza estava em sua vontade, considerando com grande prazer na salvação daquelas almas que antes eram perdidas.
E certamente que seu pensamento não era vão, cá, como já dissemos, tanto que estes haviam conhecimento da linguagem, com pequeno movimento se tornavam cristãos. E eu, que esta história ajuntei neste volume, vi na vila de Lagos, moços e moças, filhos e netos destes, nados nesta terra, tão bons e tão verdadeiros cristãos, como se descenderam do começo da lei de Cristo, por geração, daqueles que primeiro foram baptizados.

Gomes Eanes de Zurara in «Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné», 1453.


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