De como eram ilegais os maus-tratos a escravos


Por morte do Bispo Dom Pedro Leitão, veio o Bispo Dom António Barreiros, que havia sido Dom Prior de Avis, a governar este Bispado do Brasil; era homem benigno, esmoler, e dotado de muitas virtudes; mas não era chegado de muitos dias, quando se ofereceu uma ocasião de diferenças, e desgostos, entre ele e o governador Luís de Brito; a ocasião foi esta:
Havia nesta terra um homem, aliás honrado e rico, chamado Sebastião da Ponte, mas cruel em alguns castigos, que dava a seus servos, fossem brancos ou negros; entre outros chegou a ferrar um homem branco em uma espádua com o ferro das vacas, depois de bem açoitado; sentido o homem disto, se embarcou e foi para Lisboa, onde esperando uma manhã a El-Rei, quando ia para a capela, deixou cair a capa, que só levava sobre os ombros, e lhe mostrou o ferrete, pedindo-lhe justiça com muitas lágrimas.
Informado El-Rei do caso, escreveu ao Governador que mandasse preso, e a bom recado ao Reino, o dito Sebastião da Ponte.
Teve ele notícia disto, e acolheu-se a uma ermida de Nossa Senhora da Escada, que está junto a Pirajá, onde o réu então morava: demais disto chamou-se às ordens, dizendo que tinha as menores, e andava com hábito e tonsura, porque não era casado, pelas quais razões deprecou o Bispo ao Governador não o prendesse, mas não lhe valeu, começou logo a proceder a censuras, e finalmente chegou o negócio a tanto, que houveram de vir às armas, correndo com elas o povo néscio e inconstante, já ao Bispo com o temor das censuras, já ao Governador com o temor da pena capital, que ao som da caixa se publicava, e o que mais era, que ainda depois de todos acostados ao Governador, seus próprios filhos, que estudavam para se ordenarem, com pedras nas mãos contra seus pais, se acostavam ao Bispo e a seus clérigos e familiares.
Porém, enfim, Jussio Regis urgebat, e se mandou o preso ao Reino, como El-Rei o mandava, onde foi metido na prisão do Limoeiro, e nela acabou como suas culpas mereciam.

Frei Vicente do Salvador in «História do Brasil», 1627.


6 comentários:

anónimo disse...

Ora cá está o que sempre temos vindo a alertar. A ESCRAVATURA é uma CONDIÇÃO, não é um TRATAMENTO.

A Escravatura é a condição daquele que numa sociedade existe por responsabilidade e representação de outro, fora de qualquer vínculo de filiação. Por isso, não é socialmente livre porque socialmente não tem direitos. Quanto pessoa, o escravo tem os direitos naturais etc.. O Escravo não é um "cidadão", mas é uma pessoa.

VERITATIS disse...

É isso mesmo, caro ASCENDENS. Obrigado pelo seu comentário.

Volte sempre!

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
VERITATIS disse...

Anónimo,

Infelizmente não posso permitir a divulgação do vídeo porque o autor faz uma defesa expressa do Liberalismo, apesar de dizer algumas coisas verdadeiras.

Anónimo disse...

Bem, eu não percebi isso no vídeo. Você pode me ajudar a identificar em que ponto o professor defende o liberalismo no discorrer da aula?

VERITATIS disse...

Anónimo,

Nada contra si ou contra o autor do vídeo. No entanto, havia uma parte logo no início em que o autor do vídeo defendia abertamente o Liberalismo (na sua aplicação económica) contra os monopólios. Como católico, estou moralmente impedido de promover o Liberalismo.