Do regicídio de D. João VI


Tem-se duvidado no Público do dia e hora em que faleceu o Senhor D. João VI, porque ainda que os Boletins anunciaram o dia 10 de Março como dia de seu falecimento, todavia eles mereceram o mesmo crédito que tinham os Boletins do maior Impostor da Europa, Napoleão; e isto pela pouca ou nenhuma fé que mereciam os seus Redactores. Também se tem duvidado da autenticidade do Decreto da nomeação da Regência que devia reger estes Reinos por morte do Senhor D. João VI até ulterior determinação do Sucessor; dizendo-se que não aparece o seu Autógrafo, nem houve Assinatura Régia; e que o Ministro que o publicou não merecia crédito algum por seu comportamento, que a todos foi notório. Eu não pretendo investigar estes segredos; mas é certo que se o Ministro forjasse o dito Decreto da Regência; se houvesse toda a certeza desta falsificação, não deveria reunir-se, nem instalar-se, a que reassumiu o Governo destes Reinos nas circunstâncias mais dificultosas de o governar; pertencendo a Regência dele, por Direito, praxe, e costume, que jamais podem ser contrariados senão por expressa vontade Real do Soberano, à Sereníssima Senhora D. Carlota Joaquina de Bourbon, Rainha Mãe: ao qual Direito, praxe, e costume se não atreveu, a resistir a mesma Constituição do ano de 1822, como se vê do seu Titulo 4.º Cap. 5 Art. 149; e mesmo parece não resistir-lhe muito a Carta Constitucional do ano de 1826, Cap. 5 Art. 94.

Pe. Alvito de Miranda in «Defesa de Portugal», Nº 10, 1831.

§

Em 1831 era apenas uma suspeita, mas hoje sabe-se com certeza que D. João VI foi envenenado com arsénio. Contudo impõe-se a questão: Quem foi o autor do crime? Os publicistas liberais lançaram suspeitas graves sobre a Rainha D. Carlota, esposa de D. João VI. Mas, observando atentamente as circunstâncias, tudo leva a crer que foram os próprios liberais os autores do crime (os mesmos que já tinham forjado a data da morte do Rei e o Decreto de Regência). Senão vejamos: À data do regicídio, D. João VI vivia rodeado de liberais e sob guarda deles no Palácio da Bemposta. Estes, além do enorme ascendente que tinham sobre o Rei desde que ele chegou do Brasil (obrigando-o a aprovar a Constituição e demais exigências), também já tinham conseguido afastar a anti-liberal Rainha D. Carlota Joaquina (à data do regicídio, presa no Palácio do Ramalhão) e a expulsar o anti-liberal Infante D. Miguel (à data do regicídio, no exílio em Viena). O passo lógico seguinte seria livrarem-se de D. João VI, que, mesmo estando refém dos liberais, representava um empecilho a maiores pretensões maçónico-democráticas, algo que só o Irmão Pedro poderia garantir.

2 comentários:

VERITATIS disse...

Sobre este assunto, reproduzo uns comentários feitos por Manuel Azinhal na rede social Facebook:

Pobre Rainha, presa e incomunicável no Ramalhão, nem a correspondência com os filhos lhe era permitida. Ainda por cima foi ela que denunciou logo que a morte do Rei não fora natural, como os responsáveis quiseram que se acreditasse.

Os estudos sobre as vísceras indicaram com segurança que o Rei foi envenenado com arsénico. Os estudos grafológicos feitos na mesma altura indicaram que o decreto em que se nomeou a Infanta. D. Isabel Maria como regente não foi da autoria do Rei, foi forjado. Para além disso, o conjunto de informações disponíveis aponta para a morte do rei dias antes do anunciado (quando ainda não existia decreto). Os boletins diários sobre o estado de saúde do Rei foram nesse caso feitos para retardar o anúncio da morte, e fabricar aquela estranha regência (segundo o direito imemorial e sempre acatado em caso de morte do Rei a regência cabia à rainha). Ora quem dominava o palácio de modo a controlar o acesso e a informação, quem organizou o enterro, quem publicou o decreto como verdadeiro, e quem logo se apressou a enviar uma delegação ao Brasil para chamar D. Pedro? Eram aqueles que tinham o poder na altura, e que mantinham a Rainha presa e rigorosamente vigiada no Ramalhão, sem qualquer possibilidade de acompanhar o que se passava. É sabido que quando a Rainha D. Carlota Joaquina foi informada da morte do marido, obviamente segundo a versão oficial de que tinha falecido por doença, ela de imediato se recusou a aceitar isso como verdade e proclamou que o mesmo tinha sido envenenado (o que foi denunciado por panfletos miguelistas espalhados em Lisboa, apesar de desmentido pelo poder instituído). Quais os motivos? Segundo alguns autores o Rei falava cada vez mais na necessidade de chamar o Infante D. Miguel, exilado em Viena, para assegurar a sucessão, dado o fracasso completo das suas esperanças em relação a D. Pedro, decorridos já quase 4 anos sobre a ruptura deste. Ora a eventual reconciliação do rei com D. Miguel e a proclamação deste como sucessor, tal como a colocação da rainha como regente, eram absolutamente inaceitáveis para o grupo no poder. Era a perda total. Não custa aceitar que seja isto mesmo o que se passou. Uma forma de evitar que o poder caísse naturalmente nas mãos da Rainha ou do Infante, dada a permanência de D. Pedro no Brasil. E resultou.

Os boletins médicos publicados na "Gazeta de Lisboa", entre 6 e 11 de Março de 1826, foram dando conta da evolução da doença do Rei. Dizem que terá sido acometido dessa doença a 4 de Março (depois da tal merenda, em que comeu frango e as laranjas). Havendo intoxicação aguda de arsénico teria morrido nesse dia ou no dia seguinte. Tudo indica que morreu a 5 de Março. Os boletins foram publicados para dar tempo a que se organizasse o poder. O tal decreto nomeando regente a Infanta Isabel Maria tem a data de 6 de Março, era necessário por isso que se fizesse crer que o rei estava vivo nesse dia. A morte oficialmente teria ocorrido a 10 de Março. Mas apesar dos esforços do pessoal que tratava do cadáver (repare-se que as vísceras ficaram guardadas no tal pote aqui analisado precisamente porque foi feito embalsamento, com evisceração) apesar disso o povo de Lisboa dizia logo no funeral que era notório o mau cheiro, o cadáver tinha alguns dias.

VERITATIS disse...

(Continuação)

A Rainha podia ser tudo, mas estava presa e rigorosamente vigiada, sem comunicação com o mundo exterior. Não podia ser ela a comandar o que se passou no Palácio desde 4 de Março até à entrada em funções da Infanta Isabel Maria e da regência. E que sentido faz pensar que seria ela a fabricar um decreto de regência cujo único sentido foi precisamente afastá-la a ela dessa função? Repare-se que não existindo esse decreto a regência passava automaticamente para a Rainha e não para uma filha... Do decreto sabe-se hoje que foi forjado... O funeral do Rei foi atrasado cinco dias.... Só quem controlava o Palácio e a Gazeta de Lisboa podia fazer tudo isso e lançar a versão oficial para consumo público (e obviamente que quem mandava na guarda do Palácio da Bemposta também mandava na guarda da Quinta do Ramalhão, onde a rainha estava detida).

As razões são profundas. A Rainha não se limitou a animar intransigentemente o "partido apostólico" em Portugal, até à sua morte em 1830. Na realidade teve sempre uma acção política intensa, designadamente no Brasil, onde alimentou as redes de resistência às ideias revolucionárias em toda a América Espanhola, e também em Espanha, tanto na fase da ocupação pelos franceses como depois na guerra civil carlista. Estes aspectos tendem a ser esquecidos e ocultados. Chegou a ser colocada a hipótese da sua aclamação como Rainha de Espanha, uma vez que o seu irmão, o Rei Fernando, estava prisioneiro dos franceses e estes tinham posto no trono o José Bonaparte. Foi uma verdadeira dirigente internacional, cujas ideias vieram depois a ser vencidas em Portugal com a derrota na guerra civil e também em Espanha com a vitória liberal sobre os carlistas (repare-se que D. Carlos era casado com uma filha de D. Carlota Joaquina, e estava também em Évora com D. Miguel quando foi a rendição de 1834). Para se compreender a dimensão internacional de D. Carlota Joaquina veja-se que as fontes principais para as calúnias históricas sobre ela são também internacionais. Normalmente surgem sempre como fontes o livro do espanhol José Presas, publicado em Paris, obviamente pago por alguém (José Presas tinha sido durante anos o secretário de D. Carlota na América do Sul, e tinha-se afastado zangado com ela por questões de dinheiro) e também o livro de Laura Junot (a "duquesa de Abrantes" segundo os invasores). Depois houve os folhetos anónimos e os boatos de difamação que foram as armas dos liberais em Portugal, claro. (...) Curiosamente no Brasil foram publicados nos últimos anos alguns livros que trazem nova luz sobre a personalidade e a acção de D. Carlota Joaquina (até as suas cartas particulares para o marido, onde emerge sempre um respeito e um afecto completamente contrários à "lenda negra", mesmo quando dele discordava).