No ano de 1382, se achava no Rio de Lisboa uma poderosa Armada Castelhana de oitenta velas, e saiam dela muitas vezes os inimigos a infestar as vizinhanças da Cidade, com grande perda dos moradores; Sucedeu que neste dia [20 de Setembro], no dito ano, se encontraram uns e outros na praia do Mosteiro de Santos-o-Velho, sendo os da parte contrária duzentos e cinquenta, e os da nossa cinquenta e quatro; Mas animava a este pequeno corpo o grande espírito de Dom Nuno Álvares Pereira, mancebo então de poucos anos (andava nos vinte e um) mas de inumeráveis desejos de imortalizar o seu nome com acções ilustres; Temeram os companheiros à vista de tamanha desigualdade, e começaram a retirar-se: Não temeu o famoso herói: Ele só cerrou com o esquadrão inimigo, e primeiro com a lança, e depois com a espada, foi obrando maravilhas. Era a sua pessoa o alvo único das armas e do furor dos Castelhanos, mas nada bastava a desmaiar aquele invicto coração; Caiu-lhe o cavalo ferido, e ficou o ilustre Cavaleiro de forte, que se não podia desenvolver; Então se viu no último perigo; Mas já então corriam a socorrê-lo os companheiros, ou atraídos do exemplo, ou namorados do valor do seu Capitão, e cortando-lhe o embaraço que o detinha, começaram a cortar nos Castelhanos com impressão tão vigorosa, que lhe fizeram voltar as costas com fugida tão precipitada, que metidos pela água, tinham a grande felicidade o chegarem aos batéis. Muitos perderam a vida, muitos a liberdade, e todos eles a honra, sendo tantos vencidos por tão poucos; Este foi o prelúdio do valor e fortuna do famoso Condestável Dom Nuno, cujos progressos foram depois o desvelo da fama e o martírio da inveja.
Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.
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