O Nobre Cavaleiro e famoso Adail Lopo Barriga militou em África com merecido aplauso. O seu nome era o terror dos infiéis; Com ele amedrentavam as mães aos filhos. Achou-se na defesa de muitas Praças e na expugnação de outras, sempre com assinalado valor; Repetia as entradas com tão impetuosas e não esperadas invasões, que não deixava aos Mouros, nem tempo, nem lugar livre de sobressalto. De uma vez chegou a pregar o seu punhal nas portas de Marrocos [=Marraquexe]; Acção, posto que inútil, gloriosa. A sua ousadia, bem-sucedida tantas vezes, de uma o levou ao cativeiro. Vinham muitos Mouros nobres de terras mui distantes a ver este milagre do valor; Sucedeu que um, por desprezo, lhe pegou da barba, mas pagou o atrevimento, porque pegando Lopo Barriga (ainda que carregado de ferros) de um pau, que ali achou, lhe deu tamanha pancada na cabeça, que logo lhe caiu morto aos pés. Foi por esta causa tão cruelmente açoitado, que a camisa lhe ficou moída dos golpes e despedaçada: Assim a mandou a El-Rei Dom João II, o qual logo procurou e conseguiu o seu resgate. Vindo pouco depois a Lisboa, sucedeu perguntar um vez o mesmo Rei a certos Fidalgos que lhe assistiam: Se Lopo Barriga fora ferido muitas vezes? Respondeu um com mais inveja que juízo: Senhor, Lopo Barriga é muito mofino, sempre o ferem. Poucos dias depois, indo El-Rei ao campo e correndo um cavalo, caiu; E falando-se à noite na queda, estando presente Lopo Barriga, disse para El-Rei: Senhor, quem corre cai, e quem peleja ferem-no; E feriu com estas palavras, não pouco, ao Fidalgo que se achava presente, e que em tom de graça, o quisera desluzir, e se honrou e acreditou a si mesmo: Porque só quem peleja valeroso e constante, recebe feridas, e estas, recebidas na guerra, são a verdadeira prova do valor e o mais ilustre timbre da nobreza. Voltou outra vez a África, e seguindo sempre com o mesmo esforço aquela guerra, faleceu neste dia [17 de Fevereiro], deixando imortal nome de valeroso e destemido.
Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.
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