O que vou dizer agora é fácil de compreender, porque é lógico, e está indiscutivelmente dentro das premissas formuladas, como o fruto na semente, como o acto na potência, como a consequência na origem. Já estou farto e refarto de ouvir falar em Comunismo, para lhe bater, para o considerar o inimigo da Civilização ocidental, o inimigo da Europa, o inimigo do Mundo. Condenou-o, especialmente, em Encíclica solene – a Divini Redemptoris, Sua Santidade o Pontífice Pio XI; condenou-o, mas condenou também quem o afrontava com todas as armas. Contra ele caminharam os exércitos germânicos às ordens de Hitler; contra ele se mobilizaram inteligências e almas; contra ele se formou, às ordens de Franco a Divisão Azul. E até em Portugal contra ele se constituiu a Legião Portuguesa, e foi, visando-o, que se organizou a Mocidade Portuguesa... Tudo passou.
Também eu entrei no coro – desafinando um pouco, porque o meu fito ia mais longe e mais fundo. E é isso que me dá autoridade, para, hoje, bradar aos que têm por hábito, bom ou mau, ouvir-me: – Basta de atacar, como até aqui, o Comunismo!
Estamos a malhar em ferro frio; estamos a bater numa sombra; estamos a espadeirar uma toalha de água.
Se, de facto, somos inimigos do Comunismo, e das suas torpezas, das suas blasfémias, das suas indignidades, das suas misérias e das suas infâmias, façamos a guerra impiedosa e permanente ao que o produz, ao que é a sua fonte e a sua razão de ser. Numa palavra, combatamos a Democracia; ataquemos a Democracia.
Corre mundo e entrou em todos os meios a blague sinistra de que, por serem variadas as máscaras da Democracia, não se sabe já o que a Democracia seja. Polimorfa, é certo; a sua substância, porém, é inalterável. E esse seu polimorfismo é o recurso interessado daqueles que a Democracia envenenou. E é à custa desse polimorfismo, que a Democracia medra, se infiltra, conquista, perverte, e leva ao Comunismo.
Democracia cristã; Democracia orgânica; Democracia positiva; Democracia social; Democracia temperada; Democracia liberal; Democracia isto; Democracia aquilo; Democracia aqueloutro, são máscaras do mesmo erro, pseudónimos do mesmo mal, disfarces do mesmo cancro: a Democracia.
O polimorfismo satânico que a Democracia apresenta é fenómeno moderno: desconheceu-o Aristóteles; desconheceu-o S. Tomás.
Para os dois, a Sociedade podia ser monárquica, se governa um; aristocrática, se governam alguns; democrática, se governam todos.
Mas o governo de todos é um mito, porque é o absurdo. A sociedade é uma realidade; o governo é outra. Não há sociedade sem governo – proclamou-o Augusto Comte. Pode governar um; podem governar alguns; não podem governar todos. A Democracia, que é o governo de todos, é conceito essencialmente metafísico, abstracção pura.
A Democracia nunca se realizou. Sociedade que tentasse realizá-la suicidar-se-ia. Sociedade a governar-se a si própria nunca existiu, porque a mesma noção de sociedade implica organização e hierarquia, e portanto governantes que mandam, governados que obedecem. A Democracia é a negação da organização e da hierarquia: todos mandam, todos governam, todos são soberanos. Nunca se viu; nunca se poderá ver. O mal da Democracia está, antes de mais nada, no mito que a constitui, na mentira que representa, na mistificação idiota que personifica.
As massas que são crédulas, ingénuas ou estúpidas. Os seus exploradores, os que vivem, enriquecem, engordam, trepam e se fazem à custa são os profiteurs da Democracia, tão repelentes e tão sujos, como aqueles cadastrados que vivem à custa das desgraçadas que pertencem a quem as compra.
O Comunismo, última fase da vida evolutiva da Democracia, é menos indigno do que esta – porque é franco, é lógico, é desassombrado. Os defensores, os propagandistas, os filósofos, os agentes, os sacerdotes da Democracia, ou são comunistas que se desconhecem, ou comunistas que se disfarçam.
Combata-se o Comunismo como consequência da Democracia; mas combata-se a Democracia, como antecedente do Comunismo.
Defender a Democracia, e combater o Comunismo, é de imbecil. Opor a Democracia ao Comunismo, é de ignorante.
Se a Democracia, sociedade em que todos governam, não existe, que é que existe com o nome de Democracia? Existe a sociedade em que alguns se governam – mentindo, iludindo, sofismando, arrastando o Povo atrás da sua mentira, levando-o, cego e surdo, atrás de uma ilusão!
Alfredo Pimenta in «Contra a Democracia», 1949.
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