Embora administrada por Espanha, entre 1801 e 1939, nada tinha mudado em Olivença. Neste período, era em português que se vivia, que se falava, se cantava e se dançava. Era em português que se amava e se zangava. Naquele pedaço de terra, entre duas pátrias, ou melhor, 'esquecido' por elas, às gentes só interessava viver como os seus antepassados sempre ali tinham vivido, pouco ou nada significando aquilo que diziam os ininteligíveis discursos e decretos saídos das cabeças e gargantas dos políticos de Lisboa e Madrid.
Mas com Franco no poder, tudo se alterou. E a partir daí, pelas quatro décadas seguintes, desenvolveu-se um processo de aculturação que procurou varrer do mapa, não só fronteiras, mas também qualquer sinal de um passado português em Olivença. Os oliventinos, que, até àquele momento, só sabiam ser portugueses, foram forçados a aceitar uma nova realidade da noite para o dia.
Mudaram-se os apelidos das famílias; e os nomes das ruas e das praças. À região, chegaram aos magotes autoridades pró-regime vindas de toda a Espanha, governantes, professores, polícias, proprietários rurais, famílias inteiras capazes de ensinar e de dar bons exemplos e... melhores empregos a quem se dispusesse a aprender. Pois, entre ser Lopes ou López, o povo acabava sempre por escolher ter pão à mesa.
Assim, o português passou formalmente a representar o passado, enquanto o castelhano o presente e o futuro. Esta intensa estratégia de 'espanholização' teve naturalmente os seus efeitos. (...) Em Olivença, Portugal passou a viver apenas dentro das casas e dos corações das famílias com memória. E em segredo. (...)
Quando Francisco Franco chega ao poder, decidiu esmagar todos e quaisquer movimentos que pudessem colocar em causa a unidade nacional espanhola. Em Olivença, isso não foi excepção. A ordem era 'apagar' tudo o que pudesse ser confundido com o português e Portugal. A língua de Cervantes passou a ser a única oficialmente permitida. E não a falar poderia resultar em complicações com as autoridades – os mais velhos passaram um mau bocado.
Como tal, era preciso mudar o nome das ruas e das praças. Dos monumentos. Mas também os nomes das próprias pessoas. Então, os mui portugueses Lopes passaram a ser chamados de López; os Rodrigues de Rodriguez; os Fontes de Fuentes; ou os Baptistas de Bautistas. E assim se fez sucessivamente, havendo um exemplo conhecido para cada caso.
Impedidos de usar o nome de baptismo, os oliventinos reagiram com argúcia. Nunca resistiram abertamente e mudaram, sem fazerem alarido, todos os apelidos. Porém, ao mesmo tempo, passaram a atribuir a cada família uma alcunha bem portuguesa. Perante um nome cómico ou ofensivo, as autoridades espanholas não viam razões de censura, mas, na realidade, era ele que mantinha viva a ligação com a identidade que lhes estava a ser negada (e sonegada).
A tradição sobrevive ainda hoje. A alcunha em Olivença passa de pai para filho: há o Careca, o Canhoto, o Galinha Choca, o Chupa ou o Gato Amarelo. A lista é longa, feita por dezenas ou centenas de nomes do género, sempre com muita criatividade e humor. É um legado daquela região. E mais um símbolo de Olivença, e da ligação daquela terra a Portugal.
Fonte: Jornal «Sol», 14 de Março 2021.
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